sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Adeus

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Poema de Eugénio de Andrade, brilhantemente, interpretado por um elemento da Tum'Acanénica do Instituto Politécnico de Leiria, mais propriamente da Escola Superior de Educação.

5 comentários:

Anónimo disse...

É facto que tudo o que vem de Eugénio de Andrade tem sempre um especial carinho pelo menos da minha parte, pois não esperei pelo secundário para poder conhecer algum do seu trabalho e das suas obras, ainda bem que o recuperam nestas formas animadas servindo-se da voz da Tuna, valorizar o que é português principalmente nas nossas artes e literatura como é a desse Senhor, vale sempre gastar algum tempito a comentar.
Muito Bem, Anjo Gabriel :) aquele abraço especial do paijinho ^^

Palavras sem fim disse...

A língua portuguesa é linda, a prova disso está aqui neste poste.
Palavras para quê!
Beijos.

LCN disse...

Confesso-te, amigo Gabriel, que Eugénio de Andrade não é um dos meus autores predilectos...
Na verdade, sempre achei a poesia dele muito "simplória" quando comparada com a de outros "grandes"...
No entanto, este poema surpreende-me positivamente: é simples no que diz respeito à forma, mas profundo na sua mensagem.
Muito bem escolhido, sim senhor! ;)
Um abraço.

Marguerite disse...

Eugénio de Andrade... Um dos Maiores Poetas Portugueses de Sempre...! Um dos grandes filhos de Fernando Pessoa! Ambos conseguiram guardar secretamente aquela magia que lhes era e é (continua-se a sê-lo) tão própria...*

Muitos Beijinhos!

P.S. Grande Blog! =)

C. disse...

Ora...isto não é um poema teu e sendo assim não o vou ler se não ficares chateado comigo.
Não gosto de poesia é algo que me persegue e não sei porquê. Mas atenção nao gosto de poesia do género: ler por apenas ler... Se é que me percebes.

Quero ler algo teu!

kiss kiss* * * * * ** *